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A mostrar mensagens de 2011

Aperto de mão

    A verdade tem por hábito preceder o gesto. Será, pois, desaconselhável confiar naqueles que sorriem depois do aperto de mão. 

Pés frios (intervalos)

    Por mais competente que seja o treino do equilíbrio, entre um abraço e outro continuamos a correr descalços.

A Sonata de Kreutzer

«Uma hora depois entrou a ama-seca e informou que a minha mulher estava com um ataque de histeria. Fui lá: soluçava, ria, não conseguia falar, tremia toda. Não fazia teatro, estava mal. «Pela manhã acalmou-se e, sob a influência daquele sentimento a que chamávamos amor, fizemos as pazes. «Depois da reconciliação, quando lhe confessei nessa manhã que tinha ciúmes de Trukhatchévski, ela não se embaraçou minimamente e até se riu de modo natural. Só a mera possibilidade de se apaixonar por um homem daqueles, dizia ela, lhe parecia já muito estranha. «- Será possível alguma mulher decente sentir alguma coisa por aquele homem além do prazer da música? - disse ela. - Se quiseres nunca mais o vejo. Mesmo no domingo, apesar de termos convidado toda a gente. Escreve-lhe a dizer que estou adoentada, e acabou-se. O mais desagradável, porém, é alguém pensar, sobretudo o próprio, que ele é um homem perigoso. Ora, eu sou demasiado orgulhosa para permitir que pensem isso. Repare que ela não mentia, ac

E o Natal aqui tão perto

     Não me empurre, senhor; não me peça esmola, homem; não se meta à minha frente na fila, senhora; não me impinja promoções, cara lojista; não me dê o seu cãozinho a conhecer, amigo; não me firam os tímpanos com bandas sonoras foleiras, caros e omnipresentes altifalantes; não me obriguem a aturar flautas mal sopradas e violinos esganados nem cães treinados para segurar garrafas cortadas à espera de moedas, respeitáveis instrumentistas; e não me façam doer as narinas com esse fedor a castanhas queimadas, estóicas velhotas em chinelos. Por favor, não. Não a tudo isso e muito mais.     Mas, sobretudo, não me aturem hoje. Reconheço que sou - antes e acima de qualquer coisa - generoso. Por isso, aqui ficam a minhas mais sinceras desculpas.  

Abel Ferrara - Addiction (Os Viciosos)

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Um prédio comum

   O 2º dto. é - concluí depois de muito meditar - um jardim zoológico clandestino onde durante a noite se soltam os macacos.     Caro agente imobiliário, é possível ser transferido para a ala esquerda do prédio? É que, como compreenderá, a falta de sono aumenta a probabilidade de contágio.

Threads

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O pupilo Törless

    «Törless ficara calmo durante toda a cena. Lá no fundo, tinha alguma esperança de que talvez acontecesse qualquer coisa que o levasse de volta ao círculo perdido das suas sensações. Era uma esperança insensata, disso tinha consciência, mas tinha conseguido prendê-lo. Agora, porém, parecia-lhe que tudo acabara. A cena enojava-o. Sem qualquer pensamento por trás, uma repulsa muda, inerte.     Levantou-se sem ruído e saiu sem dizer uma palavra. Mecanicamente.     Beineberg continuava a bater em Basin. Bateria até se cansar.»     Robert Musil, As Perturbações do Pupilo Törless     Edição: D. Quixote     Tradução: João Barrento

A mão

   A mão que acariciou a mulher foi a mesma que premiu o gatilho.      Agora olha para a mão e pondera, fascinado, aquilo de que ela é capaz. Ergue-a bem alto, e em seguida afunda-a na terra, repetindo o gesto numa coreografia bizarra.      É difícil adivinhar o que pensará por esta altura. O único dado inequívoco é que gargalha (de felicidade), como se a mão fosse o baloiço e ele a criança.

A maravilha de existir

    E se, de repente, a vida te oferece o maior presente de todos? Celebra-o, pois. E nada temas. Caminha, seguro, para o sítio onde sempre foste esperado. E, da mais bela semente, colherás a mais prodigiosa flor.    

David Vann

«Estava cinzento e chuviscava, as ondas indistintas, as águas agitadas, encrespadas. Caminharam ao longo da margem mais escarpada que raramente tinham percorrido, em torno da ponta oposta e depois mais longe, até à ponta seguinte, sempre em silêncio até que o pai disse: Não me parece que consiga viver sem mulheres. Não quero dizer que não seja fantástico estar aqui contigo, mas sinto a falta de mulheres constantemente. Não consigo deixar de pensar nelas. Não sei o que isto é. Não sei como se pode sentir tanto a falta de uma coisa quando não a temos. É como termos o mar aqui e uma montanha e árvores, mas no fundo as árvores não estarem aqui se eu não estiver a foder uma mulher.» A Ilha de Sukkwan , David Vann Edição: Ahab Tradução: José Lima

Carpet Crawlers

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Sempre que ouço isto, fico com a sensação de que tudo o resto fica muito aquém.

Beleza

    É quando se perde a predisposição para a beleza que a vida se esgota. Quem não se comove, perdeu o sentido, e os seus dias converteram-se num infindável e angustiante exercício de espera.

Mark Twain

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    No dia em que se assinala o nascimento de Mark Twain, não posso deixar de prestar a minha humilde homenagem àquele que será porventura o principal responsável pela minha incursão no mundo da literatura. Huckleberry Finn foi o primeiro livro que li, e essa marca não se apaga. Guardo com particular afecto essa edição antiga, da colecção Biblioteca Fruto Real, já puida e manchada pelos anos, herdada da biblioteca dos meus pais.    

Augusto Monterroso

    Monólogo do Bem e do Mal     «Um dia o Mal encontrou-se face a face com o Bem e esteve a ponto de o engolir para acabar de uma vez por todas com aquela disputa ridícula; mas ao vê-lo tão pequenino o Mal pensou:     'Isto só pode ser uma emboscada; pois se eu agora engolir o Bem, que se encontra tão fraco, as pessoas vão pensar que fiz mal, e eu vou encolher-me tanto de vergonha que o Bem não desperdiçará a oportunidade e engolir-me-á a mim, com a diferença de que nessa altura toda a gente pensará que ele fez bem, pois é difícil arrancá-la aos seus moldes mentais consistentes de que o que o Mal faz é mau e o que o Bem faz é bom.'     E assim o Bem salvou-se mais uma vez.» Augusto Monteroso, A Ovelha Negra e Outras Fábulas Edição: Angelus Novus Tradução: Ana Bela Almeida

A ressonância de Agota Kristof a sul

   Perceber, desencantado, que o que se julgara novo a sul já fora inventado a norte. Mas também o fascínio de subir pela Europa e descobrir, com assombro, o expoente máximo da violência delicada na literatura contemporânea.  

Enrique Vila-Matas e o desconcerto

    Serei o único a terminar os livros de Enrique Vila-Matas com a sensação de ter sido contaminado? Quando o volume se fecha, por muito bem que o esconda, há um miasma que sempre me encontra. Com o espírito desorientado e dissonante, instala-se em mim a concomitante vontade de compreender e de fugir - com força igual. Um acicate venenoso, é isso que Vila-Matas me propõe. Que espécie de reverso é esse que se desvenda nos seus livros?      Mas a verdade é que regresso a ele, sempre. 

Uma repentina descoberta libertadora

    Kjell Askildsen escreve só para mim, ninguém me convence do contrário. Se Um Repentino Pensamento Libertador me dera indícios disso, Uma Vasta e Deserta Paisagem não fez mais do que confirmá-lo. 

Tratado sobre a educação

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O que sempre pensei da educação, aqui explicado de forma inteligente e arrojada (e também, necessariamente, discutível).

Dias com um abismo dentro deles

    Estamos debruçados na amurada de um navio que se afunda, fixos no horizonte à espera de vislumbrar terra. Recordamos, como quem revisita um morto, o chão duro e redondo, que girava com a previsibilidade de um relógio.     Ao fundo, o capitão do navio não se cansa de cantar, e começamos a odiar sua voz. Afinal, o nosso espírito reivindica silêncio; e a voz de um homem nada pode contra a dimensão do silêncio que sobe do mar.      Na água (todos o sabem), o som não faz ricochete.

Trajecto até à terra

    «O indivíduo é como a onda que se levanta à superfície da água. A vaga não pode separar-se completamente da água. E cai rapidamente na massa solidária que a engole. Volta sempre a cair no movimento irresistível da maré que a transporta. Mas porque não levantar-se outra vez, e outra vez, e outra vez?»     As Sombras Errantes , Pascal Quignard     Edição: Gótica     Tradução: Maria da Piedade Ferreira

Eu bem dizia

   Tal como prognosticara num post anterior...     « Passageiro do fim do dia , do brasileiro Rubens Figueiredo, que já tinha sido considerado o melhor livro do ano pelo Prémio São Paulo de Literatura, é o Prémio Portugal Telecom de Literatura 2011. O português Gonçalo M. Tavares também subiu ao pódio, é o segundo classificado da edição deste ano com Uma viagem à Índia .»     Retirado do Público .    

Pela manhã

    Gostava de ter a solução para os caprichos do espírito, aqueles a que se acode como ao choro de um bebé (como dizia Goethe, creio). No entanto, sopesadas as coisas, é bom estar vivo. Arrependo-me, portanto, da primeira frase que escrevi; mas deixo-a lá ficar, por solidariedade. E também por compromisso com a verdade volátil. 

Esse sítio chamado casa

Essa inesquecível sensação de estranheza e deriva voltei a recuperá-la dias depois, quando perguntaram ao escritor espanhol J. Á. González Sainz numa entrevista porque é que vivia em Trieste e ele respondeu assim: «Isso queria eu saber. E esse não saber é uma boa razão. Sinto-me estranho aqui, estrangeiro , distante , e creio que sentir-se estrangeiro no mundo é uma das condições da escrita, habitar o mundo de uma forma um pouco enviesada. Quando regresso de comboio, já de noite, das minhas aulas em Veneza e vejo no final da viagem as luzes de Trieste ali ao fundo, como que garroteadas nas costas pela escuridão das montanhas do Carso, com a Eslovénia atrás e à direita a linha de costa de Istria, e digo para comigo 'a tua casa fica ali', 'é ali que vives', gera-se-me uma sensação de estranheza, de não-pertença a não ser de passagem , com a qual me sinto bem e creio ser fundamental para essa forma de viver que é escrever.» Diário Volúvel , Enrique Vila-Matas Edição: Teo

Kjell Askildsen

«Quando a minha mulher era viva, eu costumava pensar que quando ela morresse teria mais espaço para mim. Imagine-se só toda a roupa interior, pensava eu, que enche três gavetas inteiras da cómoda. Vai haver espaço para as minhas moedas de cobre numa das gavetas, para as minhas caixas de fósforos na outra gaveta e para as minhas rolhas na terceira. Isto agora está um caos, pensava eu.   E então ela morreu, já faz muito tempo. Era uma pessoa exigente, mas que descanse em paz, uma vez que me deixou em paz finalmente. Esvaziei gavetas e prateleiras e armários de tudo quanto ela deixara, e fiquei com imenso espaço vazio, mais do que seria capaz de usar. E o que está vazio, vazio está. Por isso, desfiz-me de um par de armários. Mas o resultado é que em vez de dois armários vazios fiquei com o quarto inteiro vazio. Foi uma imprudência da minha parte, mas ocorreu, como disse, há muito tempo, e nessa altura eu era bastante mais novo.» Do conto «Últimas notas de Thomas F. para o público em gera

Oliverio Girondo

    «A minha vida resulta assim numa gravidez de possibilidades que nunca se concretizam, uma explosão de forças contrárias que lutam entre si e se destroem mutuamente. Tomar uma pequena resolução implica uma tal montanha de dificuldades, realizar o acto mais insignificante exige conciliar tantas personalidades, que prefiro renunciar a tudo e esperar que se cansem a discutir o que fazer comigo, para ter, ao menos, a satisfação de mandá-las todas juntas à merda.»     Oliverio Girondo, Espantalhos , edição Língua Morta     Selecção e tradução de Rui Manuel Amaral

Isto entranha-se

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Por dentro

    «Repara no comum das pessoas: todas teriam mais proveito na companhia de alguém que não fossem elas próprias! " Refugia-te dentro de ti próprio, em especial quando fores forçado a estar no meio da multidão! " - mas só se tu fores um homem de bem, tranquilo, moderado. Doutra maneira deves procurar refúgio na multidão e fugir de ti mesmo, escapando assim à presença íntima de um homem sem carácter.» Cartas a Lucílio , Lúcio Aneu Séneca

Anatomia de um país

    A ser verdade que um país tem morfologia interna - o que me parece (pelo menos) ficcionalmente válido -, onde fica o cérebro de Portugal? Corpo esquisito, o português.

A árvore

     Um adulto e uma criança observam a mesma árvore. A criança pensa no volume de tão maravilhosa dádiva; o adulto lamenta a escassez de árvores.     - É grande - diz a criança.     - Pena haver poucas - replica o adulto.     - Poucas árvores grandes?     - Poucas árvores.     - Mas há esta. E é grande.     - É grande, sim, mas de nada serve.     - De nada serve para quê?     Após um breve silêncio, o adulto respondeu:     - Para salvar o mundo.     - Eu sinto-me a salvo ao pé desta árvore.      - Isso é porque não percebes o mundo.     - Ou porque o mundo não percebe esta árvore.     O adulto nada disse e, depois de uma longa pausa, a criança acrescentou:     - O que é o mundo?     O adulto hesitou.     - Somos todos nós - acabou por responder.     - Ah... - E depois de algum tempo mudo em que acenava com a cabeça, rematou: - Agora percebo.     «Agora percebo». Aquela frase não se referia à definição do mundo que lhe fora dada; alcançava algo mais amplo, abrangente, univer

Cuidado, atenção, é proibido fazer lume, risco de explosão

    Convém sempre desconfiar de um povo muito calado, ainda que dado a crista baixa e obediência cega (ou melhor, que não quer ver). No entanto, quer-me parecer que será sol de pouca dura, a julgar pela impaciência que adivinho em todos com quem me cruzo. Há em cada um deles lava que fervilha (basta olhar-lhes para os lábios), e é inevitável que um dia essas lavas privadas desemboquem no mesmo caudal. O que acontecerá então? Só espero que não venhamos a encontrar uma resposta concreta para um certo título de um certo livro do António Lobo Antunes.       Para já, digo apenas «Cuidado, atenção, é proibido fazer lume, risco de explosão». 

Empurrão para uma queda anunciada

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Ai Portugal, Portugal... Os putos vêm só para dar um fix Estendem-se pelo quarto a folhear comics Esquecem gringas a marcar os livros E morrem de volúpia num esgar feliz Alguém me faz um bico Não interessa se é noite ou dia Os filmes em que vivem são de fantasia Por entre trevas e mortos vivos É chinês o facho que os alumia Alguém acende um bic Devaneiam-se incríveis planos Num retorno extemporâneo aos verdes anos Trincando velhas pizzas ressequidas Aos polícias e aos ladrões jogamos Alguém se afunda a pique Alguém me faz um bico Alguém acende um bic Alguém se afunda a pique Alguém se balança E há mesmo alguém que dança ... Ai que eu quero vomitar! Velocidade escaldante Adolfo Luxúria Canibal, Velocidade Escaldante

So it goes

Quando for grande, quero ser como o Clive Deamer. Insolente (com propriedade). http://vimeo.com/26121127

Manifesto contesto

Perfilados de medo, agradecemos o medo que nos salva da loucura. Decisão e coragem valem menos e a vida sem viver é mais segura. Aventureiros já sem aventura, perfilados de medo combatemos irónicos fantasmas à procura do que não fomos, do que não seremos. Perfilados de medo, sem mais voz, o coração nos dentes oprimido, os loucos, os fantasmas somos nós. Rebanho pelo medo perseguido, já vivemos tão juntos e tão sós que da vida perdemos o sentido... Perfilados de Medo , Alexandre O'Neill

A. M. Pires Cabral, uma descoberta tardia

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         Por vezes parece que andamos a dormir; ou então, que certos autores de qualidade maior se nos esquivam, como se aguardando o momento certo para um encontro. Seja como for, acabo de descobrir A. M. Pires Cabral através deste Porco de Erimanto (no momento certo). E que descoberta!, o digo sem exageros.      Num país em que não abundam contistas de primeira água, é uma lufada de ar fresco (acompanhada de um ligeiro golpe de saudável inveja) deparar com mecanismos de linguagem e sentido tão elegante e elasticamente trabalhados. A. M. Pires Cabral torna fácil a construção de uma prosa que incorpora elementos à partida inconjugáveis, alternando registos de erudição com uma coloquialidade escandalosamente real , sintaxes esculpidas ao expoente da perfeição com aquilo que parecem impulsos linguísticos arremessados sem segunda ponderação, entre muitos outros exemplos. E fá-lo com exímia fineza, provocando no leitor estranheza e encantamento em graus idênticos. Num jogo de desproporçõ

Nobel

Ainda não foi desta, Roth...

Banda sonora #11

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O mestre das trevas iluminadas, ou do paraíso enegrecido.

Uma Viagem à Índia

    Gonçalo M. Tavares figura novamente entre os dez finalistas do Prémio Portugal Telecom 2011. No entanto, tenho para mim que a «política da distribuição irmã» lhe vedará o prémio, o que, a meu ver, será uma tremenda injustiça. Já o ganhou com Jerusalém , e Aprender a Rezar na Era da Técnica merecia sorte igual. Mas assim não aconteceu. Como dificilmente acontecerá com o sublime Uma Viagem à Índia . É caso para dizer que, em democracia, a qualidade pode ser parente semântica do defeito.    

Quando

    Quando dar um livro por terminado. Eis a dúvida que não larga. Como uma doença, mas também como uma espécie de fé.

As horas

    Um homem que caminha é agarrado pelo braço. Detém-se e atenta em quem o agarrou.     - As horas.     Espreita o relógio.     - Sete e meia.      O outro, ainda com a mão a envolver-lhe o braço, esboça um sorriso.    - Vejo que não me estou a fazer entender.    - Perguntou-me as horas. Como lhe disse, são sete e meia.    - Não - diz, abanando a cabeça. - Apenas disse «as horas».    O homem mantém-se calado por momentos. Entretanto, o braço começa a doer-lhe.    - Por que me agarra assim?     - Não faça perguntas. Limite-se a responder.    O outro faz que sim com a cabeça.    - Óptimo. Diga-me então as horas.    Não sabe o que dizer. Apenas conhece as horas do relógio, de modo que se fixa no homem com um olhar perdido.     - Diga-me as horas - insiste, cerrando os dentes e apertando o braço com mais força.     Permanece imóvel, sente medo.     - Que horas, senhor?     Subitamente, o homem que o agarra leva a mão esquerda ao interior do casaco e de lá saca um revólver.      - As horas

Estratégia para o tempo (infância)

    Trago sempre nos bolsos rebuçados de sobra porque não me trazem à memória o tempo ao contrário.

Fumo

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O muro de fumo que fendeu o mundo. E que ainda o contamina sem obedecer às leis da física.

Cinema #10

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Banda sonora #10

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Da perspectiva

«Sempre achei a lenda de Pandora incompreensível, até mesmo ridícula e absurda. Suspeito que o próprio Hesíodo a tenha entendido mal e distorcido o seu significado. Não eram todos os males, mas todas as coisas boas do mundo que Pandora tinha na sua caixa (como o seu nome já indica). Quando Epitemeu precipitadamente a abriu, as coisas boas escaparam-se e fugiram: apenas a Esperança se salvou e ainda continua connosco.» Arthur Schopenhauer, Aforism os

A importância de certos jogos

    O invejoso, com os seus modos de cordeiro, afasta-se para entrar no quarto. Aí, em sigilo, congemina planos idênticos aos de um peão num jogo de xadrez. Pequeno, limitado nos movimentos, quase passa despercebido enquanto aguarda o mais ínfimo espaço para avançar. E, quando chegar o momento certo, os seus aliados dar-lhe-ão ordens para matar. E ele não hesitará. Porque, como invejoso que é, aspira à altura daqueles que defronta.    

Breve apontamento sobre a solidão

Encharcarmo-nos debaixo da chuva pelo prazer de sentir o corpo secar no regresso a casa.

Estrangeiro

Na janela, à procura de um rosto familiar; Na janela, inventando um rosto familiar; Na janela, de onde todos os rostos são agora familiares. Ou, alternativamente, a derrocada.

Pausa, um pé em cada sítio

    Pausa na natureza. De passagem pela cidade para recolher cadernos em branco, respirar algum fumo e sentir o pulsar dos homens que passeiam na rua, deprimidos e furiosos. Rezo para que não se esbarrem.      Árvores, até já. O ar aqui está irrespirável. Estou quase na porta. A caminho. Quase.     Cidade, até breve. Terei saudades do teu fumo.

Domingo

«Estranha forma de acordar, que é estar pronto para dormir.»

Cinema #9

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Banda sonora #9

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Excerto de uma coisa por ser

Cemitério       Tenho dificuldade em especificar o sujeito que encabeça o grupo ― estou tomado por uma vertigem que me estorva as faculdades. Distingo uma forma negra que caminha debaixo de uma cabeça torta, inclinada para baixo, parcialmente tapada por um chapéu de cor igual.     Analisa o chão, penso. Repete o meu trajecto, o meu modo, os meus passos, pisa as mesmas nódoas de terra batida e erva daninha ― nódoas que parecem esculpir uma nova geografia do mundo. Há instantes assim, tão peculiares, que supersticiosamente nos fazem acreditar que alguém nos repete por uma razão consequente. Digo então de mim para mim: ali vem o meu duplo.

Ida

Quando nos anunciam a morte, ficamos a olhar para longe, à procura dele, do rosto da morte, do rosto de quem a morte levou. Mas a morte finta e mente, e dá a tudo textura de nevoeiro. Enquanto não tenho olhos para te ver, aceito o absurdo e esforço um sorriso sincero. Para o Ricardo, meu amigo de escola, que partiu antes do tempo.

Coisas de ler #2

   Raramente me cruzo com livros tão espantosos, e por isso não podia deixar de mencionar esta compilação surpreendentemente caleidoscópica (ou camaleónica), mas ao mesmo tempo de uma inabalável unidade, sustentada por raras competências de elegância e precisão.     Intitula-se Mulher ao Mar e foi dado à estampa pela Mariposa Azual. A autora é Margarida Vale de Gato, excepcional tradutora que agora se estreia na poesia.     Aqui fica um dos poemas:  Mutilação Se por fora não pareço oca dentro podre ao centro estou. Sem querer armar-me em modernista tenho Alturas em que experimento a lúcida percepção quase materialista e táctil do progresso da loucura sou tal película sobre- posta sobre-exposta, precipitado cálculo de abertura - aí o pânico a insónia eu cindida. Só escrever me alivia um pouco e dantes inclusive consolava; agora é mais um corte que sob a pele se exerce a prevenir a coisa mais violenta que me pulsa na cabeça e compulsivamente desta forma se escoa mas não seca nu

Cinema #8

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Banda sonora #8

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Em Portugal há isto, e depois há o resto.

Uma pergunta

    Desvendar os segredos dos cigarros e dos compartimentos a meia-luz. E ainda dos cotovelos - são coisas de decifrar, os cotovelos. Mas, sobretudo, da pose quieta, tão quieta.     Em que pensam os homens e as mulheres que, na solidão da noite, espiam a rua através da janela?

Coisas de ler #1

    «- O tempo a definhar. Eis o que sinto aqui - disse ele. - O tempo a envelhecer devagarinho. A ficar imensamente velho. Não dia após dia. Trata-se do tempo profundo, o tempo histórico. As nossas vidas a mergulhar no passado longínquo. Ora aí está o que nos rodeia. O deserto plistocénico, a regra da extinção.     Pensei em Jesse a dormir. Ela fechava os olhos e desaparecia, eis um dos seus dons, pensei, mergulha imediatamente no sono. Todas as noites o mesmo. Dorme de lado, enroscada, embrionária, mal respirando.      - A consciência acumula-se. Começa a reflectir acerca de si mesma. Há aqui algo que me parece possuir um carácter quase matemático. Dir-se-ia que existe uma qualquer lei da matemática ou da física que ainda não desvendámos, segundo a qual a mente transcende toda a convergência para o seio de si própria. O ponto ómega - disse ele. - Seja lá qual for o significado que esta expressão pretende veicular, se é que possui significado algum, se é que não se trata de um caso em

Abraço

    Estava às portas da morte e queria despedir-se daqueles que mais amava.     Desejava abraçá-los: naquela circunstância, como podia ele conter o ímpeto de semelhante gesto? No entanto, por causa da intensidade que o caracterizava (mais decifrável pela física que pela medicina), tinha a capacidade (ou a maldição) de com o toque transferir para o outro o pensamento que nele ocupasse mais espaço. Era esse o motivo pelo qual vivia sozinho há muito anos - a convivência com ele era insuportável, senão mesmo impossível.      Antes de abraçá-los, queria convocar pensamentos belos, porém era a ideia de morte que lhe ocupava cada recanto da mente; a morte em todas as suas dimensões.      Hesitou.     Os entes queridos, conscientes da sua peculiaridade, mas também (e sobretudo) conscientes da dificuldade do momento, decidiram-se a abraçá-lo. Tentou esquivar-se, mas não conseguiu - a invalidez e uma cama não lhe ofereciam propriamente as melhores condições.    De modo que foi abraçado. E, no mo

Banda sonora #7

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Cinema #7

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Buraco da fechadura

    Espreita as tragédias do mundo pelo buraco da fechadura. No conforto do lar, não corre riscos, pensa. Porém engana-se - o mundo avança e deixa-o para trás, esquecido como a poeira que não se levanta do chão. No conforto do lar não corre vento, e a camada de poeira cresce a cada dia. Já respira mal, mas, ainda assim, não resiste ao impulso de espreitar as tragédias do mundo pelo buraco da fechadura. Ele, como muitos, desacelerará o mundo até à estagnação. E, nessa altura, as tragédias do mundo bater-lhe-ão à porta. O que fará ele então?     

Mensagem

    Vasculha o lixo. Desconhece-se o motivo.     A fome também tem cheiro, ninguém pode duvidar, mas quem quer cheirá-lo? Também há excentricidades - e tudo quanto vem de alguém que vasculha o lixo é merecedor de respeito. E há ainda o que desconhecemos.     É noite cerrada, mas percebe-se que é ágil. E competente.     Continua a vasculhar o lixo. O que procura ele?    Mas nada no lixo lhe convém. Todos os objectos são largados, todos os restos de comida arremessados.     O que dizer de alguém a quem nem o lixo tem coisas a dar?, pensarão muitos dos que o observam por detrás das cortinas.     Está agora cercado de restos, analisa-os. Para quê?     Compaixão - eis o sentimento principal partilhado por quem o observa.     O homem pára, retira do bolso um isqueiro e pega fogo ao lixo. A chama alastra-se e sobe alto. Aquece as mãos na fogueira (quão bela, a imagem) - mas como evita ele queimar-se?     Empatia e estupefacção - eis os sentimentos principais agora partilhados por quem o obser

Cinema #6

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Dirigido e protagonizado por Orson Welles em plena idade madura: 25 anos. Uma afronta. Aqui, excertos intervalados com comentários das mais diversas personalidades.

As mãos e o pássaro

Vê como segura o pássaro. Tem mãos carentes - vê como segura o pássaro. Vê como não faz barulho, o pássaro - não tem ar. Vê como morre o pássaro, esmagado pelas mãos carentes. Vê agora como olha o pássaro. Vê como chora a morte dele. Vê também, com atenção, A solidão das mãos destreinadas para a Natureza. E como também elas morrem devagar a cada gesto.

Banda sonora #6

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    Somos acidentes à espera,     à espera de acontecer.  

Sedução

    A mulher afasta-se, os tacões emudecem na distância. O homem segue, atento, o desenrolar da ausência e do silêncio, enquanto impulsos arriscados lhe povoam o pensamento.      Neste momento, qualquer proximidade será desaconselhável; parece perigoso, assim com os ouvidos tapados e os dentes cerrados, agitado como se o sangue lhe queimasse as veias.

Cinema #5

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Uma das melhores adaptações recentes para filme. E que dizer deste diálogo?

Banda sonora #5

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Ginástica perigosa

Exercício de escrita para leitores 1 (ou, simplesmente, subtracção): 1. Confrontado com o diagnóstico que lhe prognosticava um desenlace trágico, fez tudo o que estava ao seu alcance para travar o avanço da infecção. Reunindo todos os meios - financeiros e de outras naturezas -, contratou o mais conceituado especialista no campo das doenças do aparelho respiratório. O panorama tornou-se mais animador - vislumbrou-se uma cura. 2. Com a perspectiva - medicamente atestada - de uma vida curta, não baixou os braços. Munido de instrumentos importantes, aliciou o médico mais competente do mundo para sitiar o que lhe contaminava a respiração. 3. Perante o diagnóstico, agiu. Solicitou o melhor pneumologista e colocou-se a possibilidade de cura. 4. Contrariou a morte .   Exercício de escrita para leitores 2 (ou, simplesmente, soma): 1. Espancou o filho.  2. Ao tomar conhecimento do que o filho fizera, teve um ataque de fúria e esmurrou-o.  3. Com relativa facilidade, chegara à conclusão

Cinema #4

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O filme que mais marcou os meus verdes anos.

Banda sonora #4

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Cinema #3

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Ideologia

    No televisor desfilam imagens de uma guerra.    O pai está recostado no sofá, muito atento e calmo. O filho tem os antebraços sobre os joelhos e a cabeça lançada para a frente.     Uma bomba explode e logo atenta no pai, que continua impassível; um discurso inflamado num idioma indecifrável assusta-o, volta a olhar para o pai, porém nada nele mudou; depois, uma salva de tiros; cadáveres pelo chão, uma vala com corpos estropiados, o grande plano de uma mão que agarra um objecto invisível; uma mulher que corre com um bebé nos braços por entre uma nuvem de fumo e pó; e dois soldados que se abraçam em plena batalha.     Treme por dentro, a perturbação intensifica-se.     O pai, esse, continua muito atento e calmo. E a voz que narra o documentário reaparece, tão harmoniosa e cadenciada que parece propor uma aliança com o pai. De certo modo, falam a mesma linguagem - a linguagem dos adultos, pensa.     Passa-lhe pela cabeça reproduzir um gesto violento que observa no televisor. Mas não c

Séneca na mesa-de-cabeceira

  O que mais me agrada em Séneca é o pacto de integridade que estabelece com aquela espécie de vida entre parêntesis que insiste em sobreviver aos séculos.   Uma advertência, contudo:   Não se leve demasiado a sério as palavras que aqui se escrevem, até porque em filosofia não sou versado e dos homens pouco conheço.   Leia-se (isso sim) Cartas a Lucílio , faça-se desse volume companheiro de cabeceira. Logo me dirão se o sono não será mais tranquilo e o despertar mais enérgico.    E se, concluída a leitura, sentirem aquele miasma antigo atravessar o buraco da fechadura, recomecem-na. Celebrem com ela uma amizade. Duradoura, como convém. Serão sempre recebidos de braços abertos. Isso posso assegurar.

Banda sonora #3

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Quando ouvi esta bateria "tocada ao contrário", percebi que queria ser baterista. Como percebi que são mais as pontes do que as paliçadas entre a bateria e a literatura. Eis aqui um breve ensaio sonoro que dispensa adendas.  

Saber usar uma pedra

    Não media o alcance das palavras, portanto não tinha como medir o alcance da sua condição presente.     As palavras, como as pedras, variam na distância e nos danos. Nunca esquecer que uma palavra é sempre uma pedra - a diferença está no alvo: a mão ou o corpo? (Existe sempre a possibilidade de deixá-la cair). No fundo, a fronteira entre aproximar e afastar está na intenção do braço que dá velocidade à pedra. E o que vem antes?      Tempo de meditar, porque nestas palavras ninguém encontrará resposta. 

Efeitos secundários do hábito

    Está sentado na poltrona há dias. Atravessa uma fase muito difícil e não sabe como sair dela.     Encontra-se rodeado de toda a espécie de livros: médicos, filosóficos, e inclusive espirituais. Cansa os olhos investigando as possíveis causas, como as potenciais curas. Todavia, o seu pessimismo é evidente. Cada consulta é a consolidação de uma derrota anunciada.      Encosta-se ao tempo e olha através da janela. Sente-se esgotado, fraco, fecha os olhos, adormece.      Sonha com um homem erguendo os braços ao céu no topo de uma montanha. Atenta no homem: é ele próprio. Ao lado ergue-se um majestoso edifício, repleto de pátios e jardins interiores, e também de figuras muito quietas e pacíficas. Um mosteiro.     Acorda cheio de energia, e de optimismo. Não há como duvidar do destinatário daquela mensagem. O sonho apontara-lhe a cura.     Faz os telefonemas necessários, inteira-se de todos os procedimentos, prepara as malas e parte.     Ei-lo no outro lado do mundo, num mosteiro planta

Cinema #2

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Banda sonora #2

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Uma frase inofensiva

    Ouviu:     A distância entre o tecto e o chão é mental.   Uma frase que o fez pensar. Uma, duas, três, quatro, cinco, ... vezes cuja conta começou a perder.   De mero exercício lúdico rapidamente passou a ponderação séria, e de ponderação séria a obsessão. Transformou-se numa banda sonora contínua, inclusive no sono, que naturalmente foi perdendo qualidade. Na cama, deixara de olhar o tecto - a sua paisagem favorita - porque lhe intensificava a consciência da maldição que aquela frase lhe lançara.    Na procura de uma qualquer iluminação, adoptou um ritual diurno:   Olhava o tecto, depois o chão. Em seguida, percorria com os olhos a parede do tecto ao chão – depressa, muito depressa, porque queria perceber a todo custo. Porém insistia: isto é físico, material. Pegava então numa fita métrica para se tranquilizar. E assim acontecia. Regressava a calma, aquele estado que por esta altura já lhe parecia uma memória distante que ameaçava dissipar-se irreversivelmente. Tra

Cinema #1

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Banda sonora #1

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Compreender a solidão

    Um dia recebeu a visita de um amigo que, intrigado, lhe perguntou:     - Como te dás num espaço assim, tão fechado?     Distraiu-se do quadro que pintava e, após um breve silêncio, respondeu:     - Como não te dás num espaço assim, tão aberto?     O filho, de orelha encostada à porta do atelier, a princípio sentiu-se um tanto confuso com a resposta do pai. Queria compreender, mas, em vez de pensar, continuou de orelha encostada à porta.      No entanto, nem mais uma palavra foi pronunciada. Era como se o atelier tivesse ficado vazio. Até que escutou um ruído. Passos, passos que se aproximavam. Afastou-se da porta e escondeu-se.     O visitante saiu, cabisbaixo e contraído, como se sentisse vergonha. Com tristeza no rosto e fúria nos membros, encaminhou-se para o portão de acesso à rua.     Espreitou o atelier, o pai olhou-o de soslaio.     - O que queres?     - Ficar um bocado no teu espaço fechado. Não me dou neste espaço aberto. Posso?       Não respondeu, e o filho, postado na s

A vida em comunidade

    De dia, o vizinho do lado grunhia, berrava, disparava insultos a um alvo desconhecido. À noite, rosnava com os dentes cravados na almofada.     A vizinha de cima era espancada, ou fingia sê-lo. Já se cruzara com ela nas escadas, cheirava a álcool e era pouco higiénica. Uma ocasião, tentara levantá-la do chão; não quis - preferiu continuar a gemer com a boca desdentada colada ao mármore. Falara com o alegado agressor, que, sem abrir a porta, o ameaçara de morte num tom educado.      A vizinha da frente era puta. Habilitada, acrescente-se: competente nos gemidos e escrupulosa nos tempos.     Havia ainda um traficante de droga - sempre com um cão ridiculamente medroso pela trela - e uns quantos imigrantes ilegais que falavam dialectos complicados.    Ainda assim, não seria descabido afirmar que aquele era o prédio mais pacífico do planeta: ninguém se falava, as portas estavam sempre fechadas, não havia registo de crimes e nunca se ouviam sirenes do INEM.      Bem vistas as coisas, não

Um breve apontamento sobre a contemporaneidade

    O pai educara-o para a agorafobia do espírito. O mesmo é dizer que fora treinado como um animal de circo: para gestos gloriosos, destinados a provocar aplauso e admiração - mas nunca para lá do contorno de uma circunferência bem desenhada.      E dessa circunferência muito se podia conjecturar.     Contudo, tinha para si que a moral de uma nação pesava mais sobre um indivíduo do que a moral privada. Daí que fosse absolutamente mínimo o número de pessoas a quem confiava segredos. Esses ficavam para os bastidores do circo, bem guardados em jaulas.     Até ao dia (que não estava assim tão distante) em que o leão se virasse contra o domador.  

Ambiguidades da repetição

Há palavras que apenas se aprendem pela repetição; a esse respeito, "adeus" parece-me o melhor exemplo. Mas há também palavras que apenas se desaprendem pela repetição; a esse respeito, "adeus" parece-me o melhor exemplo.