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A mostrar mensagens de 2017

Birdman, ou a cruel inevitabilidade dos espelhos

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Dos filmes que ficam pela certeza de deles se sair diferente do que quando neles se entrou. A esse crivo,  Birdman  piscou um olho de troça e indiferença, atravessando-o na serena certeza do que é. Ao argumento rico nas múltiplas camadas interpretativas que guarda junta-se um elenco que convive na perfeita harmonia do desacerto. Com Michael Keaton à cabeça, protagonista de uma narrativa que será uma visão tristemente sardónica da sua biografia cinematográfica. Diz-nos essa visão que há tão mais para além do Homem-Morcego (calem-se, pois, os que se precipitam nos juízos). Que o digam as asas deste Homem-Pássaro, que voam de facto (?). Mas: para a aspiração ou para a tragédia de quem as ostenta? Eis umas das muitas questões que ficam. Arriscaria dizer que estas asas são de homem. E que todos nós temos asas. E que deveríamos atentar neste filme para lhes compreender a função. 

Ontem, na Centésima Página

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Ao Luís Mourão, a gratidão pelo raro cruzamento com o homem sábio — esse leitor que observa  e diz sereno como quem guarda uma espécie de mundo inteiro. À Centésima Página, uma palavra de grande estima pelo acolhimento — estar em casa é coisa rara. Aos presentes, o agradecimento pela atenção, franqueza e generosidade do silêncio e da voz.    

Teatro Vertical na Centésima Página - com Luís Mourão

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Beckett sublinhado

«Conheço essas pequenas frases que parecem não ser nada e que, uma vez admitidas, são capazes de empestar uma língua inteira. Nada é mais real do que o nada . Saem do abismo e não descansam enquanto para lá não arrastam tudo.» Malone Está a Morrer , Samuel Beckett Tradução: Miguel Serras Pereira Edição: Dom Quixote

Da escrita

Da experiência colho esta certeza: mais do que as palavras escritas, importam aquelas que — por generosidade e respeito — foram amputadas ou mantidas em segredo.

Esquecer a tabuada, relembrar a descoberta

«Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essa páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe

Ontem, Teatro Vertical na Flâneur

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Ao Arnaldo e à Cátia, a gratidão pelo convite e pelo acolhimento; ao Pedro Eiras, uma palavra de apreço pela leitura a fundo, a montante, a jusante, de todos os lados — e pela generosidade da partilha também; aos presentes, o agradecimento por estarem e se disporem a ouvir e a participar, fazendo do livro o que dele se espera — um organismo vivo.     

Terminado um livro

Terminado um livro, não é o alívio que fica. É um chão de melaço onde os pés não avançam, tão presos que estão ainda ao que não foi sujeito ao último escrutínio da libertação. Até lá, a resistência a esta coisa que parece a angústia num aquário. 

Teatro Vertical na Flâneur - com Pedro Eiras

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No próximo Sábado, às 17h, estarei na Livraria Flâneur à conversa com Pedro Eiras, numa apresentação informal de Teatro Vertical. Apareçam.

Ontem, o Teatro Vertical na Cossoul (Festival do Silêncio)

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A todos os presentes, muito obrigado. Ao Alexandre Andrade, a gratidão dos reptos múltiplos, do desafio, dos olhos que lêem com a precisão do microscópio e a amplitude do astro.

Teatro Vertical no Festival do Silêncio (Lisboa)

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O trigo e o joio

«Génio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonhos génios como eu, E a História não marcará, quem sabe?, nem um, Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. [...] O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.»                                                                      «Tabacaria» ,  Álvaro de Campos

Ontem, na Biblioteca Almeida Garrett

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Obrigado a todos quantos ontem marcaram presença na apresentação de Teatro Vertical , na Biblioteca Almeida Garrett. Obrigado também — e muito especialmente — ao Jorge Palinhos, leitor e interlocutor de suma inteligência, perspicácia e lucidez.

Teatro Vertical na Feira do Livro do Porto

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Coisas de sublinhar

«[...] ye walk on white snow where a nosebleed would disturbe the universe [...]» Tarantula , Bob Dylan Edição: Harper Collins

Do estado actual das coisas

Nematomorfo: parasita que se aloja no interior do hospedeiro e se alimenta das paredes do seu corpo até atingir a idade adulta. Aí chegado, emerge do hospedeiro em zona próxima da água para prosseguir uma vida livre, induzindo aquele que lhe serviu de alimento ao suicídio.  

A Física e a moral

Foi à custa de prostituição repetida, mas não para pagar a renda nem para o pacote de leite chorado pelo filho com fome.  Foi pela vã glória de uma aparição que se pulverizou ao vento do tempo ou do gesto entediado. Por isso importam as notas de rodapé, que, tal como a vida, guardam nos caracteres pequenos as noções fundamentais. Nomeadamente esta: entre a Física e a moral são mais as pontes do que os muros.

Rir no silêncio

Não saem da casa pequena na aldeia porque nela fazem quietos o mundo (na verdade, fazem outras coisas quietos, mas não convém que se saiba). São gigantes na casa sem janelas (de propósito, não vá alguém roubar-lhes a dimensão). Abrem a porta para arejar a verve (para sair o bafio, na verdade, mas eles não sabem, apesar de tudo saberem). Bebem cálices de fel da cor do mel. Alimentam-se de delicadas carícias (em partes secretas, mas não convém que se saiba). Não levantam os pés do chão por compromisso intelectual (por desconhecerem a altura, na verdade, mas aconselha-se reserva). Passam muito tempo com os olhos fechados, para dar tela à inteligência (a tela está em branco, mas é segredo). Na casa fechada na pequena aldeia fazem o mundo: tão universal, tão moderno, tão revolucionário (todos os antónimos, na verdade, mas sabe-se como quem não soubesse).  De tanto viajarem sem sair do sítio, de tão gigantes na sua casa secreta, de tanto abrirem a porta à frescura da criação, de tanto a

Sam Shepard - por tudo quanto me foi dado

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Depois de Crónicas Americanas e Atravessando o Paraíso , lidos em tenra idade, a viagem interior ganhou novos e preciosos caminhos. Obrigado por tudo, Sam Shepard.

Da tradução - Thomas Bernhard

«Uma tradução é um outro livro. Já não tem nada a ver com o original. É um livro daquele que o traduziu. É que eu escrevo em alemão. Depois os livros são-nos enviados para casa e ou dão prazer ou não dão. Quando têm capas horríveis, só nos irritamos, depois folheamo-los, e pronto. Além de um outro título arrevezado, não tem geralmente nada em comum com o que escrevemos. Não é? Não se pode realmente traduzir. Uma peça de música é tocada com as notas que lá estão em toda a parte do mundo. Mas um livro teria de ser em toda a parte, no meu caso, tocado em alemão. Com uma orquestra.» Kurt Hofmann, Em Conversa com Thomas Bernhard Tradução: José A. Palma Caetano Edição: Assírio & Alvim

O tiro

O tiro a espreitar da culatra. Devagar, porque nestas coisas das letras, a carne é furada em lentidão e o homem sábio nunca é dado a pressas.

Da distância

Percorrida a linha da esquerda à direita da geografia, um continente é um lago, um bairro um oceano. Na cabeça, o espaço está a uma história de distância.   

Da topografia

Confortável nos arrabaldes, desculpa-se com a escassez de dinheiro para uma casa no centro da consciência.

O silêncio é o novo estatuto

Dizem-mo repetidamente: escrevo mas não respondem. Tornou-se comum, este hábito de não responder a perguntas que requeiram resposta, de deixar mensagens importantes penduradas.  O que em tempos era sinal de consideração e educação, transfigurou-se hoje numa espécie de prova de estatuto — o estatuto do homem ocupado e acima das coisas menores, sobretudo (arrisco dizer) para aquele que é desocupado e não está acima de nada. Não me venham com a confortável almofada da voracidade dos dias (eu também a vivo). Há sempre um tempo, nem que seja para dizer: De momento, não me é possível responder.  Este silêncio que se tornou prática comum, revelador de uma profunda falta de elevação moral, é para mim um dos mais importantes sintomas do tempo adoecido em que vivemos. Deixar o outro pendurado é ser-se importante, é ser-se grande, é esticar as costas para olhar de cima. Para mim, é estupidez e má-criação. Um irreversível defeito de carácter que, pelo uso, passará a ser parte do carác

Teatro Vertical (ao som de Kurt Weill)

Da importância das coisas

Quando essa bela e feérica cor põe mais de sessenta vidas a preto e branco, que mais importa? Tudo é nada. Convém não esquecer. Tudo é nada.

Da lúcida estranheza das coisas

Passeia com o espelho na mão e sorri às vestes de rei que o reflexo lhe devolve. Atrás de si caminha uma comitiva de homens minúsculos, não são anões, são homens grandes mas em ponto pequeno, homens à lupa, menores, também no tamanho. É isso que o espelho mostra, atrás da coroa. E o sorriso expande-se diante do espelho na mão, um sorriso onde acaba de cair uma sombra de carvão. De cima, nas varandas, todos estranham a criatura suja e esfarrapada que passeia de punho no ar com cães de sarna e raiva a lamberem-lhe os calcanhares. Mais acima, alguém esfrega uma folha de papel com uma borracha. Mas já é tarde.       

Três categorias

Disse um sonho: Há três categorias de homens: os bons, os maus e os intermédios. Os bons estão, pela ingenuidade, condenados. Os maus estão, pelo mundo, abençoados. Os intermédios estão, pelo meio, sufocados. Quem o disse foi um sonho. Mas nele, estranhamente, só os últimos sobreviveram à catástrofe.

Q

Quando o pára-quedas está por um fio cansado, bastará a mais leve brisa. Quão violenta será a queda do que se julga em alto voo. Quão risível (e enternecedora) a máscara que dele se descolará.  Quase tanto como o rosto vazio que em vão desespero a tentará recuperar.

Chris Cornell (1964-2017)

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Há mortes que não deviam existir.  Por tudo quanto Chris Cornell significou nos meus verdes anos, por tudo quanto os Soundgarden me deram a ouvir, a saber e a ser, parte de mim também vai — colhida desse tempo fundamental que é o infinito jardim de possibilidades da tenra juventude. Estão a morrer-me tão depressa os que importam. Obrigado.

A elevação não é um escadote

Houve um tempo em que era assim: subir para ver as coisas de cima. A aspiração, porém, agora é outra: ver as coisas de baixo, de frente, dos lados, de dentro.  A subida é sempre um artifício, exercício ilusório em metal que não resiste à ferrugem do tempo.   

I'll fight ya for it (Snatch)

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Teatro Vertical - novo livro em pré-venda

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Caros leitores, Gostaria de partilhar convosco a publicação do meu novo livro,  Teatro Vertical —  o segundo volume da Colecção Pedante, dada à estampa pela SNOB e inaugurada por Virgilio Piñera. Para além do texto, no livro encontrarão o singular traço do ilustrador Sebastião Peixoto, que aceitou a proposta por mim lançada.     Durante  15 dias , contando a partir de hoje, o livro estará em  pré-venda  com desconto. Quem o comprar nesta fase por  12€ , recebê-lo-á em casa sem custos adicionais e figurará — se for essa a sua vontade — na parte final do livro, dedicada aos agradecimentos, bastando para isso seguir as instruções que encontram no link em baixo: https://pt-pt.facebook.com/livraria.snob/  

Exercício

Fingir a cegueira enquanto o cortejo desfila. Tão sensato e apertado exercício. 

Breathe

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O rectângulo de papel

Um homem que carregava nos olhos mil mortes. Aproximei-me. Não tive como o evitar. Olhei-o. Olhou-me. Disse-lhe: Sei bem o que está por trás. Ele disse: Isto? Apontava para um rectângulo de papel pousado atrás dos andrajos que se deitavam no passeio. Não falei. Não percebi. Falava-lhe das mil mortes atrás dos olhos. Olhou-me. Olhei-o. Ele disse: Agrada-te? Encolhi os ombros. Não percebi Apontou para o rectângulo de papel. Tinha muitas imagens. Rostos, percebi ao semicerrar os olhos. Afastei-me. Acelerei o passo à medida que me afastava. A cada passo um novo rosto do rectângulo. A cada novo rosto a consciência. Arrepio. Calafrio. Alguém me travou a marcha. Era uma mulher. Cara de rugas. Postura de estátua. Olhou-me. Disse-me: Sei bem o que está por trás. Arrepio. Calafrio. Com o dedo indicador desenhou no ar um rectângulo. Vários círculos dentro dele. Disse-me: As coisas que sempre foste mas nunca serás. Mil mortes atrás dos

Da espera

Socorre-te sempre dos sábios antigos: nunca esperes. Tudo quanto vier será vida, tudo quanto não vier será nada.

Princípio

Do mal do Homem poderia escrever mil prefácios, mil ensaios, mil epílogos. Mas por agora prefiro contemplar a última gota que cai da última folha verde daquela última árvore. Para ver como cai nas últimas costas que passam. Para que os meus olhos sejam a última testemunha do princípio. 

Recensão à edição italiana de Caderno de Mentiras na INCIPTMAG

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Para ler tudo aqui: http://incipitmag.com/2017/03/20/rec-geom/

Mil metros

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Virgilio Piñera, O Grande Baro e Outras Histórias Selecção e tradução: Rui Manuel Amaral Edição: Livraria Snob / Colecção Pedante 

A Fábula de Daniil Kharms

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Em Três Horas Esquerdas Tradução e apresentação: Júlio Henriques Edição: FLOP

A importância dos clichés

Toda a causa tem uma consequência; toda a consequência tem uma causa. Quantos não sabem o que lhes ditou a ruína ou a glória?

Raiva

A raiva, esse tão ignorante combustível.

Linha da meta

Tão poluídos os caminhos até à saída. Até ao som e ao gesto. Dois (por vezes) contrários do início, onde se sabe estar a origem — como o atleta que agora atravessa a meta, em suor e falta de ar e cara feia, tão outro da linha de partida. 

Da matemática

A soma de todos os erros dá a coisa certa.

Da saturação

ossos do ofício, dizem mas, (vos garanto) este ofício não tem ossos. 

Caderno de Mentiras editado em Itália

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Numa altura em que se aproxima a publicação de um novo livro meu em Portugal, Caderno de Mentiras é editado em Itália pela Wordbridge Edizioni, com tradução de Giacomo Falconi.

De novo em loop

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Da mentira

«The power of the lie, Daniel said. Always seductive to the powerless. But how is my being a retired dancer going to help in any real way with your feelings of powerlessness?» Autumn , Ali Smith