As horas
Um homem que caminha é agarrado pelo braço. Detém-se e atenta em quem o agarrou.
- As horas.
Espreita o relógio.
- Sete e meia.
O outro, ainda com a mão a envolver-lhe o braço, esboça um sorriso.
- Vejo que não me estou a fazer entender.
- Perguntou-me as horas. Como lhe disse, são sete e meia.
- Não - diz, abanando a cabeça. - Apenas disse «as horas».
O homem mantém-se calado por momentos. Entretanto, o braço começa a doer-lhe.
- Por que me agarra assim?
- Não faça perguntas. Limite-se a responder.
O outro faz que sim com a cabeça.
- Óptimo. Diga-me então as horas.
Não sabe o que dizer. Apenas conhece as horas do relógio, de modo que se fixa no homem com um olhar perdido.
- Diga-me as horas - insiste, cerrando os dentes e apertando o braço com mais força.
Permanece imóvel, sente medo.
- Que horas, senhor?
Subitamente, o homem que o agarra leva a mão esquerda ao interior do casaco e de lá saca um revólver.
- As horas que lhe restam.
O outro estremece e recua um passo. Fita o revólver de olhos esbugalhados.
- Ouça, não me faça mal. Eu...
- Chiu - interrompe. - Fiz-lhe uma pergunta simples: as horas.
Tomado por um pânico intenso, na sua cabeça desfilam todas as palavras possíveis. Todavia, a velocidade é tal que não tem como segurá-las.
- Todas as horas até morrer - responde por fim.
Terminada a frase, o outro solta-lhe o braço e guarda o revólver.
- Muito bem - diz, dando-lhe uma palmadinha no ombro com expressão sorridente. Acena com a cabeça, vira costas e, enquanto se afasta, acrescenta: - É sempre bom arranjar um amigo, alguém a quem possamos voltar quando precisarmos.