Sou um leitor indisciplinado, desarrumado, caótico até. Daqueles a que os autores carregariam o cenho. (Pelo menos eu sentir-me-ia tentado a fazê-lo perante um leitor meu.) Leio dezenas de livros em simultâneo, perco-lhes o fio, retomo-o, deixo-o em suspenso para me aventurar noutro e mais tarde regressar. Abro os livros a meio, deparo com uma frase feliz e dou por bem gastos os euros que me custaram. E aquele instante basta-me. No entanto, não é um instante que convide ao abandono, pelo contrário: permanece em movimento no espaço da cabeça, como um pensamento inacabado, à espera que a ele regresse. Mas é nesse caos, nessa imensa paisagem de personagens e estilos e tramas que me sinto em casa, um espião de coisas incompletas e transitórias. Afinal, não é isso a vida? Como na rua, quando um rosto me prende, e logo a seguir um som se intromete, para instantes depois ser detido pelo diálogo amargurado de um casal. A vida em corrente ininterrupta. Até descobrir aquele livro...