1984

«Ele era um fantasma solitário dizendo uma verdade que nunca ninguém viria a ouvir. Mas enquanto a dissesse, a continuidade, de forma obscura, não seria quebrada. Não fazendo-se ouvir, mas mantendo-se mentalmente são, ele prolongava a herança humana. Voltou a sentar-se à mesa, molhou a caneta no tinteiro e escreveu:

Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros e não vivam sozinhos - a um tempo em que a verdade exista e o que for feito não possa ser desfeito:
Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplopensar - eu vos saúdo!

Era um homem morto, pensou. Só agora, que começara a conseguir formular os seus pensamentos, lhe parecia ter dado o passo decisivo. As consequências de cada acto estão contidas no próprio acto. Escreveu:

O pensarcrime não provoca a morte: o pensarcrime é a morte.»

George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro
Edição: Antígona
Tradução: Ana Luísa Faria