Tudo ainda tão igual

Dez. 1913

Sá-C[arneiro]

O que v[ocê] foi fazer; Sá-Carneiro! O que você foi fazer...!

Pois v[ocê] não vê que para esta gente o perceber v[ocê] precisa escrever como o Dantas, como o Alfredo da Cunha, como o † ?

Pois v[ocê] não vê que para esta gente o apreciar v[ocê] precisa ir fazer conferencias ao Brasil como o J[oão] de B[arros], asnear na capital como o Manso que veio de Coimbra.

Pois v[ocê] não vê que para esta gente o elogiar v[ocê] tem que andar a bajulal-os na rua e nos cafés, como fazem os Dantas, os Cunhas, os Sousas Pintos?

Já o Mário Beirão cahiu em escrever, e agora ahi vem você e publica-se. Depois — peor asneira — v[ocê] escreve europeiamente! V[ocê] escreve sem vêr a patria e a sua obra, que eu creio genial, esbarra com o provincianismo constante da n[ossa] attitude. Para nós o universo está entre Mesão e Villa Real de Santo Antonio.

Ó desgraçado, ó desgraçado!... Isso é bom para França, para Inglaterra, para a Allemanha... Lá os Joões de Barros escrevem á machina nos escriptorios comerciaes, os Julios Dantas estão por detraz dos balcões das lojas dos retrozeiros, e os Ruys Chiancas, ao mais que ascendem, é a vender bilhetes nos guichets dos theatros...

Ah desgraçado! desgraçado!

Carta de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro

Aqui, na edição de Ricardo Vasconcelos e Jerónimo Pizarra (Tinta-da-China, 2015) 

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