O rectângulo de papel

Um homem que carregava nos olhos mil mortes. Aproximei-me. Não tive como o evitar.
Olhei-o.
Olhou-me.
Disse-lhe:
Sei bem o que está por trás.
Ele disse:
Isto?
Apontava para um rectângulo de papel pousado atrás dos andrajos que se deitavam no passeio.
Não falei. Não percebi. Falava-lhe das mil mortes atrás dos olhos.
Olhou-me.
Olhei-o.
Ele disse:
Agrada-te?
Encolhi os ombros. Não percebi
Apontou para o rectângulo de papel. Tinha muitas imagens. Rostos, percebi ao semicerrar os olhos.
Afastei-me.
Acelerei o passo à medida que me afastava.
A cada passo um novo rosto do rectângulo.
A cada novo rosto a consciência.
Arrepio.
Calafrio.
Alguém me travou a marcha.
Era uma mulher. Cara de rugas. Postura de estátua.
Olhou-me.
Disse-me:
Sei bem o que está por trás.
Arrepio.
Calafrio.
Com o dedo indicador desenhou no ar um rectângulo. Vários círculos dentro dele.
Disse-me:
As coisas que sempre foste mas nunca serás.
Mil mortes atrás dos olhos passei a carregar.
    


  

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