Rir no silêncio

Não saem da casa pequena na aldeia porque nela fazem quietos o mundo (na verdade, fazem outras coisas quietos, mas não convém que se saiba). São gigantes na casa sem janelas (de propósito, não vá alguém roubar-lhes a dimensão). Abrem a porta para arejar a verve (para sair o bafio, na verdade, mas eles não sabem, apesar de tudo saberem). Bebem cálices de fel da cor do mel. Alimentam-se de delicadas carícias (em partes secretas, mas não convém que se saiba). Não levantam os pés do chão por compromisso intelectual (por desconhecerem a altura, na verdade, mas aconselha-se reserva). Passam muito tempo com os olhos fechados, para dar tela à inteligência (a tela está em branco, mas é segredo). Na casa fechada na pequena aldeia fazem o mundo: tão universal, tão moderno, tão revolucionário (todos os antónimos, na verdade, mas sabe-se como quem não soubesse). 

De tanto viajarem sem sair do sítio, de tão gigantes na sua casa secreta, de tanto abrirem a porta à frescura da criação, de tanto afago em delicada privacidade, de tão fiéis ao chão por exigência do cérebro, de tanto fecharem os olhos para verem mais longe, nunca se fixarão numa cruz ou num pé descalço sem o aperto da vergonha de um dia poderem ter sido.