Neste tempo postiço

Neste tempo postiço, quem não se prostitui é coisa inexistente. A coisa inexistente assiste: imagem pornográfica, slogan petulante, peito cheio e bazófia sonora. Mercado do peixe, mas versão chique — com toques de erudição saloia, para iludir as massas. 
Neste tempo postiço, quem se dedica ao filme e não ao cartaz, arrisca nunca lhe saberem o guião. É coisa inexistente que assiste. Mas hoje assistir é o seu contrário: o silêncio é o som que acautela o estrépito de amanhã, que deixa o ruído aos cobardes com pavor da própria sombra. Neste tempo postiço, a resistência que altera o mundo está naquele que não quebra o pacto com a mudez. 
Afinal de contas, contas feitas na matemática do mundo, convém que alguém fique de pé no meio das ruínas.  

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