Um Pássaro no Arame (através dos olhos da Sara Figueiredo Costa)
«Um Pássaro no Arame, de Manuel Alberto Vieira, é um livro desconcertante — e o adjectivo não é aqui aplicado por ser sonante. Desconcerta, no verdadeiro sentido da palavra, esta narrativa de frases secas, curtas, simultaneamente descritivas da acção e reveladoras do labirinto que se guarda na cabeça de cada personagem. É uma narrativa estranha, porque essa secura o verbo contrasta intensamente com o que se vai revelando, mesmo que nada pareça acontecer (sobretudo aí, quando nada parece acontecer). Há uma linha cronológica e há personagens bem definidas, com uma caracterização psicológica extremamente minuciosa, que prescinde das grandes descrições de carácter e se forma pelo conjunto de gestos, indícios e pensamentos. Há acção e uma atenção ao detalhe com que esta se constrói, o texto sempre perseguindo os sinais, aquilo que se revela em cada movimento e em cada decisão das personagens. O que não há é uma estrutura que nos ampare enquanto lemos — e isso não é acidental, claro. A possibilidade de uma estrutura, esboroando-se à medida que o livro avança, tem o seu espelho no desamparo das personagens, sobretudo a de Alberto, personagem central. Este é um texto que procura a sua própria forma, construindo-se à medida que arrisca verbalizar aquilo que suspeitamos arredado da possibilidade de linguagem. Desconcerta, sim, mas é nesse desconcerto que nos faz encontrar um fio possível para o labirinto onde memória e falha acabam por encontrar-se (e encontrar-nos).»
Sara Figueiredo Costa