Abraço
Estava às portas da morte e queria despedir-se daqueles que mais amava.
Desejava abraçá-los: naquela circunstância, como podia ele conter o ímpeto de semelhante gesto? No entanto, por causa da intensidade que o caracterizava (mais decifrável pela física que pela medicina), tinha a capacidade (ou a maldição) de com o toque transferir para o outro o pensamento que nele ocupasse mais espaço. Era esse o motivo pelo qual vivia sozinho há muito anos - a convivência com ele era insuportável, senão mesmo impossível.
Antes de abraçá-los, queria convocar pensamentos belos, porém era a ideia de morte que lhe ocupava cada recanto da mente; a morte em todas as suas dimensões.
Hesitou.
Os entes queridos, conscientes da sua peculiaridade, mas também (e sobretudo) conscientes da dificuldade do momento, decidiram-se a abraçá-lo. Tentou esquivar-se, mas não conseguiu - a invalidez e uma cama não lhe ofereciam propriamente as melhores condições.
De modo que foi abraçado. E, no momento decisivo, não resistiu à comoção: também abraçou. Uma a uma, agarrou com os braços todas as pessoas que, em fila indiana, aguardavam solenemente um último contacto com o homem que amavam.
No final, morreu.
De volta da cama, todos choraram a sua morte, tão fechados no seu sofrimento privado que não se aperceberam de que nos olhos do morto também havia água, e tristeza.
Ao saírem do quarto, já com as lágrimas secas e o espírito mais aliviado, começaram a sentir diferenças no seu íntimo. A princípio, não percebiam o que era, apenas sabiam que incomodava.
Passado pouco tempo, para onde quer que olhassem, viam a morte. Uma visão assustadora e absurda. Tão assustadora e absurda como a convicção cada vez mais firme de que a morte também começava a vê-los, escondida algures, atrás de um qualquer objecto, à espera da altura certa para um encontro.