Coisas de ler #1
«- O tempo a definhar. Eis o que sinto aqui - disse ele. - O tempo a envelhecer devagarinho. A ficar imensamente velho. Não dia após dia. Trata-se do tempo profundo, o tempo histórico. As nossas vidas a mergulhar no passado longínquo. Ora aí está o que nos rodeia. O deserto plistocénico, a regra da extinção.
Pensei em Jesse a dormir. Ela fechava os olhos e desaparecia, eis um dos seus dons, pensei, mergulha imediatamente no sono. Todas as noites o mesmo. Dorme de lado, enroscada, embrionária, mal respirando.
- A consciência acumula-se. Começa a reflectir acerca de si mesma. Há aqui algo que me parece possuir um carácter quase matemático. Dir-se-ia que existe uma qualquer lei da matemática ou da física que ainda não desvendámos, segundo a qual a mente transcende toda a convergência para o seio de si própria. O ponto ómega - disse ele. - Seja lá qual for o significado que esta expressão pretende veicular, se é que possui significado algum, se é que não se trata de um caso em que a linguagem tenta exprimir uma ideia alheia à nossa experiência.
- Qual ideia?
- Qual ideia. O paroxismo. Ou uma transformação sublime do espírito e da alma ou uma qualquer convulsão do mundo material. Nós queremos que isso aconteça.»
Ponto Ómega, de Don DeLillo.
Sextante Editora.
Tradução (irrepreensível) de Paulo Faria.