Um Piano Para Cavalos Altos

«O Director baixa a cabeça. Atenta ao pénis encolhido. Sacode a coisa morta na esperança de que ressuscite. Nada. O urinol de cerâmica, preso à parede, de boca aberta, expectante, olha para ele. Parece rir da sua condição de mau urinador.
O Director deixa cair as pálpebras: a nervosa e a obediente. E concentra-se. Se aquele coxo conseguiu, eu também. Fecha o olhar para falar com o não-visível. Implora à carne clemência com a voz do cérebro. Como se a carne fosse um Deus ouvinte e tolerante na recompensa daqueles que professam a sua lei.
Com a voz do cérebro, o Director solicita:

Por favor, deixa-me mijar.

Cedo percebe o ridículo do pedido. Mas, o desespero leva-o à insensatez. Quem é que conhece a carne, o corpo? Quem é que manda na carne, no corpo?
Não era o Director que mandava no cérebro. Nem o cérebro ordenava na canalhada dos órgãos. Na carne, a alma não mete a colher, nem rapa o tacho. Se fosse a alma a mandar, seríamos imortais. Mas não, da carne o cérebro recebe queixas, emite facturas. Nós pagamos a conta.

Lágrimas de desespero reúnem-se solidárias nos olhos do Director. E, da uretra, sob o peso do ardor, escorrem apenas cinco pingos castanhos.»

Sandro William Junqueira, Um Piano Para Cavalos Altos
Edição: Caminho

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