Esse sítio chamado casa
Essa inesquecível sensação de estranheza e deriva voltei a recuperá-la dias depois, quando perguntaram ao escritor espanhol J. Á. González Sainz numa entrevista porque é que vivia em Trieste e ele respondeu assim: «Isso queria eu saber. E esse não saber é uma boa razão. Sinto-me estranho aqui, estrangeiro, distante, e creio que sentir-se estrangeiro no mundo é uma das condições da escrita, habitar o mundo de uma forma um pouco enviesada. Quando regresso de comboio, já de noite, das minhas aulas em Veneza e vejo no final da viagem as luzes de Trieste ali ao fundo, como que garroteadas nas costas pela escuridão das montanhas do Carso, com a Eslovénia atrás e à direita a linha de costa de Istria, e digo para comigo 'a tua casa fica ali', 'é ali que vives', gera-se-me uma sensação de estranheza, de não-pertença a não ser de passagem, com a qual me sinto bem e creio ser fundamental para essa forma de viver que é escrever.»
Diário Volúvel, Enrique Vila-Matas
Edição: Teorema
Tradução: Jorge Fallorca