A. M. Pires Cabral, uma descoberta tardia


    
    Por vezes parece que andamos a dormir; ou então, que certos autores de qualidade maior se nos esquivam, como se aguardando o momento certo para um encontro. Seja como for, acabo de descobrir A. M. Pires Cabral através deste Porco de Erimanto (no momento certo). E que descoberta!, o digo sem exageros. 
    Num país em que não abundam contistas de primeira água, é uma lufada de ar fresco (acompanhada de um ligeiro golpe de saudável inveja) deparar com mecanismos de linguagem e sentido tão elegante e elasticamente trabalhados. A. M. Pires Cabral torna fácil a construção de uma prosa que incorpora elementos à partida inconjugáveis, alternando registos de erudição com uma coloquialidade escandalosamente real, sintaxes esculpidas ao expoente da perfeição com aquilo que parecem impulsos linguísticos arremessados sem segunda ponderação, entre muitos outros exemplos. E fá-lo com exímia fineza, provocando no leitor estranheza e encantamento em graus idênticos. Num jogo de desproporções, tudo resulta proporcional - como se em cada frase encontrasse uma ordem para um potencial caos. E isso é arte, da mais refinada. 
    Este Porco de Erimanto figura, seguramente, na estante dos grandes livros nacionais mais recentes. Pelo menos na minha humilde biblioteca privada, repousará no andar de cima, onde merece estar.