Mensagens

A mostrar mensagens de 2014

Porque a coragem também está na descida

Imagem

Kurt Vonnegut sobre como escrever um conto

Imagem

A Mecânica da Ficção

Imagem
Um livro obrigatório para quem quiser perceber os truques e as manhas da escrita literária. Inteligente, claro, simultaneamente erudito e pop , bem ao jeito de James Wood, afasta-se da escrita cinzenta do ensaio académico e assume-se como um texto pleno de cor e ritmo. E tudo está muito bem arrumado, com inúmeros exemplos que sustentam o que nele é descrito. Mas, talvez mais importante, é um livro que nunca se põe em bicos de pés.  James Wood, A Mecânica da Ficção Tradução: Rogério Casanova Edição: Quetzal 

Desencontro

O presente errado na altura certa. Eis um prenúncio.

Coisas de sublinhar

«A happy man has no past, while an unhappy man has nothing else.» Richard Flanagan, The Narrow Road to the Deep North

A sabedoria e a genealogia

Por mais sábio que sejas, serás sempre ignorante aos olhos dos teus pais.

A leitura e a indisciplina

Sou um leitor indisciplinado, desarrumado, caótico até. Daqueles a que os autores carregariam o cenho. (Pelo menos eu sentir-me-ia tentado a fazê-lo perante um leitor meu.)  Leio dezenas de livros em simultâneo, perco-lhes o fio, retomo-o, deixo-o em suspenso para me aventurar noutro e mais tarde regressar. Abro os livros a meio, deparo com uma frase feliz e dou por bem gastos os euros que me custaram. E aquele instante basta-me. No entanto, não é um instante que convide ao abandono, pelo contrário: permanece em movimento no espaço da cabeça, como um pensamento inacabado, à espera que a ele regresse. Mas é nesse caos, nessa imensa paisagem de personagens e estilos e tramas que me sinto em casa, um espião de coisas incompletas e transitórias. Afinal, não é isso a vida?  Como na rua, quando um rosto me prende, e logo a seguir um som se intromete, para instantes depois ser detido pelo diálogo amargurado de um casal. A vida em corrente ininterrupta. Até descobrir aquele livro...

Aquelas coisas tão certeiras

«[...] e que os filhos não morram mais cedo do que a morte bem velha, e que, acima de tudo, não sejam felizes antes do tempo, esse erro tão vulgar.» Gonçalo M. Tavares, Os Velhos Também Querem Viver Edição: Caminho

Suspenso

Mil planos por sonhar. E a porta a fechar-se. Devagar.

O mundo sem pausas

Acordado em sono contínuo, a dormir em permanente vigília.  Entretanto, a biblioteca a crescer em altura, a fé de sucumbir ao seu peso, sem mais âncoras que não o aconchego dos mundos por viver a compasso da caligrafia que se desvenda a cada página.   

And the prize for Worst Book Cover goes to...

Imagem
Ray Bradbury não merecia. Aliás, parece sina. Todas as capas das edições portuguesas dos livros de Ray Bradbury são de uma barbaridade a raiar a inverosimilhança. Aqui, sim, se justifica dizer «Don't judge a book by the cover». Ao que acrescentaria: «Burn it, Montag!» 

Yes, Mr. Cohen

«Looks like freedom but it feels like death, it's something in between, I guess it's closing time.»

A comida e a mentira

Se olhares para o outro e lhe vires as mãos caídas no espaço entre garfadas, chegou a hora de fazer as malas e partir. Porque comer é o gesto primeiro e no gesto primeiro está sempre a verdade primeira, aquela que precede e comanda a segunda e a terceira e a quarta. Em suma, comer converte-se na porta que abre para o território da mentira. 

O céu de Cormac McCarthy

Imagem

Hey pig, piggy, pig, pig, pig / All of my fears came true

Imagem

A distância

Só num mundo próximo, preenchido num mundo ausente. A distância é uma geografia do espírito,  uma ponte sem quilómetros, uma sabotagem espiritual. Eis uma definição possível.

Casa

Casa - o mais abstracto dos substantivos, porém tão concreto quando ausente. No fundo, é o que todos fazem entre o ventre e o fundo da terra: procurar o abrigo deixado a decoberto no intervalo.

Nova estupidez da Academia Sueca

De novo a estupidez, desta vez em forma de ajudinha à culturalmente decadente (moribunda talvez seja mais acertado) nação que é a França. Se fosse o Pascal Quignard, a coisa ainda passava, mas o absolutamente mediano e banal Patrick Modiano? E o Philip Roth? E o Amos Oz? E a Joyce Carol Oates?  Reformulo: E o Philip Roth? E o Philip Roth? E o Philip Roth? Tudo bem que ele agora vai fechar para obras (permanentes, a fazer fé nas palavras do próprio), mas deveria ser para ele. Teria de ser para ele. ...

Tempos da percepção

Quantos de nós vão vivem em diferido, atrasados em relação às coisas?  No que a maioria vê defeito, vejo virtude: ser humano e máquina em simultâneo, criatura da contemporaneidade, que pode premir botões para trânsitos anteriormente impossíveis. Inteligência de analisar o tempo, a simultaneidade de passado e presente, e assim a convocação de uma lucidez mais certeira. Mais: todo o homem deveria existir em diferido. O mundo seria certamente uma balança mais equilibrada.   

Did you know what I lost? Do you know what I wanted?

Imagem

Desgaste

Tudo nela lhe soava a falso, inclusive a verdade.

Da pontuação

A trepar lentamente os parênteses, encarando o mundo habitado sobretudo por pontos finais e vírgulas, que não oferecem qualquer resguardo. Sinais tão importantes quanto traiçoeiros. E é assim. 

O melhor tema do melhor álbum de rock de 2013

Imagem

A volta

«Descansa», insistia, mas ele vivia demasiado cansado para o descanso. Cansado do passado — e do futuro também. «Às vezes penso que se descansar, tudo acabará.» «E não estarás já acabado?» «O que acaba não volta.» «Suponho que tenhas razão, desculpa.» «Não há volta.» «Não, na verdade não há volta, admito.» «A não ser ao começo?» «Sim, ao começo, concedo.» «Descansarei, então, apesar de muito cansado.» «Se conseguires, avisa-me.» «Se conseguir, não te avisarei. Se não conseguir, tão-pouco.»  «Está bem.» «Em qualquer dos casos, não me acordes.»

O humor em paisagem de tragédia

Imagem
Passou algo despercebido na voracidade editorial deste país, mas é mais do que merecedor de um lugar cimeiro em qualquer estante. Brilhante. Tradução: Rosa Amorim Edição: Bertrand  

Sensatez

Porque às vezes é preciso dizer adeus devagar.

A vida de um tradutor

Definiu-ma um amigo e colega de profissão: «Passar a vida enfiado no buraco para conseguir pagar o buraco.»  Bem vistas as coisas, pouco mais acrescentaria. Salvam-nos os (escassos) momentos do maravilhamento da descoberta. 

Isto sim, é uma série

Imagem

O tédio não admite mentiras

Os que me preocupam são aqueles que não sabem lidar com o tédio, procurando aniquilá-lo ocupando-se de tarefas que lhes escapam por entre os dedos como enguias.  

Sick, sick, sick

Imagem

September rain

September has poisonous showers, people wander the streets as if drugged by the unknown drug of a time yet to know, people commit hideous crimes inside their homes, people sleep dreadful insomnias, wake up from their awaking state and again wander the streets as if drugged by the unknown drug of a time to know. «Fitter, happier, more productive». Who wants to fall asleep now? 

Um axioma certeiro

«Repito: as coisas que te esgotam são também as coisas que te alimentam o talento .» Philip Roth, Os Factos Tradução: Francisco Agarez Edição: D. Quixote

A paisagem da clausura

Imagem

O colo

No espírito do homem, mesmo adulto e feito, apenas uma paisagem sobrevive, intacta, ao tempo — e no desespero, ou face à aproximação de sentimento semelhante, agiganta-se até nada mais existir. Mesmo os velhos sentirão, neste ou naquele momento, a vontade do colo materno. Porque a maior parte do tempo andamos descalços e de bússola avariada e queremos correr em direcção àquela imagem, mesmo que ceifada pela geografia ou pela morte.  

Mister Master Joey Baron on the drums

Imagem

Do tempo

«[...] Houve um momento, quando tinha vinte e muitos anos, em que reconheci que o meu espírito de aventura se extinguira há muito. Nunca faria aquelas coisas que a adolescência sonhara. Em vez disso aparava a relva, ia de férias, tinha a minha vida. Mas o tempo... o tempo primeiro fixa-nos e depois confunde-nos. Pensávamos que estávamos a ser adultos quando estávamos só a ser prudentes. Imaginávamos que estávamos a ser responsáveis, mas estávamos só a ser cobardes. Aquilo a que chamávamos realismo acabava por ser uma maneira de evitar as coisas e não de as enfrentar. Tempo... deem-nos tempo suficiente e as nossas decisões mais fundamentadas parecerão instáveis e as nossas certezas, bizarras.» Julian Barnes, O Sentido do Fim Tradução: Helena Cardoso Edição: Quetzal

«So long, [...]» Cohen encarrega-se de dizer o resto

Ontem o adeus de passagem. Antes do olá. Para quê ter voltado atrás? O passeio já estava vazio. Nele passava apenas o vento das memórias por ser. O passeio já estava vazio. E eu passei a ser o passeio. «So long, [...]» Cohen encarrega-se de acrescentar o resto.  

Organização

«Não mas compreendam eu tenho de explicar tudo isto porque não sei, não sabemos quanto tempo me resta e preciso de trabalhar no, de terminar este trabalho enquanto, bom trouxe para aqui esta pilha de livros apontamentos papéis recortes e sabe Deus que mais, tenho de pôr ordem nisto tudo deixar as coisas organizadas para repartir os meus bens e arrumar de vez com todas as preocupações e consumições anexas enquanto aqui estou para ser aberto e raspado e cosido e aberto novamente esta maldita perna olha para isto, toda coberta de grampos parece aquela armadura japonesa antiga da sala de jantar sinto-me como se estivesse a ser desmantelado peça a peça [...]» William Gaddis, ágape, agonia Tradução: José Miguel Silva Edição: Ahab

Desequilíbrio

Imagem
Philip Roth, Os Factos Tradução: Francisco Agarez Edição: D. Quixote

Take me to my mini mansion

Imagem

A arte do esquecimento

Calcar, calcar, calcar. Uma e outra vez. Mais eis que quando o quarto se esvazia para dormires, a memória te sobe das plantas dos pés e se desenha num filme que te entra nos sonhos. 

O engano do gesto

Se te colocarem um braço em redor da cintura, poderás ver nisso um gesto de carinho (ou mesmo de sedução disfarçada), mas há aqueles cuja inveja dos gestos não conhece pudor. Se te colocarem um braço em redor da cintura, poderão muito bem estar a competir contigo a escassez de carnes moles.   

O belo é o feio é o belo

Lamentar a fealdade é coisa de tonto. Não subestimes a inteligência do tempo e da paisagem. Olha durante anos para a árvore que cresce no cimento. Olha durante anos para a floresta. Uma década depois, irás ao encontro de qual? Os feios crescem; os belos diminuem. E é tudo.  

Caderno de Mentiras na Companhia dos Livros (JNLive)

Por norma tenho um certo pudor em publicitar o meu próprio trabalho, mas eis a partilha de um vídeo que me enviaram: http://www.jn.pt/live/Programas/default.aspx?content_id=4016612&seccao=Livros

O gesto de ferir e cauterizar a ferida

«Fui amado pela minha mãe. Quero dizer, era o seu preferido. Isso salvou-me. Tenho a meu respeito a ideia, absurda, de que me salvei. De quê? Do inferno, antes de mais nada. A ideia da salvação, na nossa cultura (no nosso mundo), está mais associada a evitar o inferno do que a conquistar o céu. Em que teria consistido o inferno? Em ser um indivíduo opaco, intransitivo, sem interesses culturais, sem inquietudes filosóficas, sem ambições literárias, talvez sem tendências burguesas. A minha mãe salvou-me? Talvez sim, mas no mesmo instante em que me perdeu. Agiu, pois, como o bisturi eléctrico do meu pai, que feria e cauterizava a ferida ao mesmo tempo. Às vezes sonho com uma escrita que me afunde e me eleve, que me adoeça e me cure, que me mate e me dê vida.» Juan José Millás, O Mundo Tradução: Luísa Diogo e Carlos Tavares Edição: Planeta

Raymond Chandler

Imagem
Raymond Chandler, À Beira do Abismo   Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues Edição: Porto Editora Muito mais do que um policial, À Beira do Abismo é literatura inteira, maiúscula. Ao lado disto — com a honrosa excepção de Elmore Leonard —, toda a prosa na esfera do policial parece pedestre, desajeitada até, uma coisa por ser.    

O engano da identidade

Há quem repita mil vezes uma mentira para fugir da verdade e há quem repita mil vezes uma verdade para fugir da mentira. 

Uma (quase) rima colérica

Tão bom quando um revisor nos arruina uma tradução.

O escritor e o fonógrafo

«O escritor está na situação de um mudo atado de mãos e pés, incumbido de pôr a funcionar um fonógrafo fazendo girar a manivela com o nariz.» Boris Vian, Boris Vian por Boris Vian — Palavras e Aforismos Edição: Fenda Tradução: Sarah Adamopoulos 

A partida e o regresso

O regresso é sempre mais fácil do que a partida. Não admira, pois, que muitos de nós optemos por ficar. Mas sem nunca experimentarmos a apaziguadora e reconfortante sensação do regresso.

Fumadores, esses criminosos

Imagem
Depois de um episódio passado hoje num café, lembrei-me desta crónica do Vasco Pulido Valente e resgatei-a. Como me soube bem o cigarro (ao ar livre) após as duas bestas equipadas a rigor para o seu jogging matinal se deram a conhecer como tal.

O universo é um ponto

Juan José Millás diz que o mundo é a rua da nossa infância. Muito antes, Tolstói dissera basicamente o mesmo, ao afirmar algo como: «se queres ser universal nunca deverás sair da aldeia onde nasceste.» A minha rua era bizarra: havia crianças que queimavam ratazanas em fogueiras, a precocidade da sexualidade escandalizaria os mais liberais, as pedras contavam-se entre os brinquedos favoritos, morriam pessoas de mortes cruéis — da overdose ao suicídio.  Assim sendo, que mundo é o meu?

Russell Edson procura-se

Se houver por aí alguém disposto a vender um livro de Russell Edson, por favor contacte-me por email. Os sites estrangeiros onde costumo comprar livros estão com atrasos históricos nos envios. Que seja do meu conhecimento, em português apenas foi dado à estampa O Espelho Atormentado (há muito esgotado), mas, na verdade, tenho preferência pelas edições originais. Obrigado. 

A felicidade e o atraso

A felicidade dizia-lhe «Anda», mas quando ele chegava ao sítio ela já lá não estava. Dizia então de si para consigo: «A felicidade é um capricho da visão.» Mas não desistia. 

Para Onde Vão os Guarda-Chuvas

Imagem
Este ano, depois de ter descoberto (tardiamente)  Pedro Páramo , de Juan Rulfo, julgava que tudo quanto viesse a ler ficaria muito aquém. Engano meu — e ainda bem. É um prazer constatar como Afonso Cruz tem voado alto, à altura destes seus «guarda-chuvas».  

O meu maior medo

Imagem