Ideologia

    No televisor desfilam imagens de uma guerra.
   O pai está recostado no sofá, muito atento e calmo. O filho tem os antebraços sobre os joelhos e a cabeça lançada para a frente.
    Uma bomba explode e logo atenta no pai, que continua impassível; um discurso inflamado num idioma indecifrável assusta-o, volta a olhar para o pai, porém nada nele mudou; depois, uma salva de tiros; cadáveres pelo chão, uma vala com corpos estropiados, o grande plano de uma mão que agarra um objecto invisível; uma mulher que corre com um bebé nos braços por entre uma nuvem de fumo e pó; e dois soldados que se abraçam em plena batalha.
    Treme por dentro, a perturbação intensifica-se. 
   O pai, esse, continua muito atento e calmo. E a voz que narra o documentário reaparece, tão harmoniosa e cadenciada que parece propor uma aliança com o pai. De certo modo, falam a mesma linguagem - a linguagem dos adultos, pensa.
    Passa-lhe pela cabeça reproduzir um gesto violento que observa no televisor. Mas não consegue. Nem pode.
    Levanta-se e dirige-se para o quarto.
   Pergunta a si mesmo o que se ganha com uma guerra. Não encontra resposta, mas é bem possível que tenha acabado de aprendê-la - o corpo de um pai é muito hábil na sua autoridade.
    Dali em diante, se alguém lhe perguntasse:
    «O que se ganha com uma guerra?»,
    responderia, sem hesitações:
    «Espectadores atentos»,
    mesmo que a barriga lhe doesse, como era agora o caso.     
   

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