A vida em comunidade

    De dia, o vizinho do lado grunhia, berrava, disparava insultos a um alvo desconhecido. À noite, rosnava com os dentes cravados na almofada.
    A vizinha de cima era espancada, ou fingia sê-lo. Já se cruzara com ela nas escadas, cheirava a álcool e era pouco higiénica. Uma ocasião, tentara levantá-la do chão; não quis - preferiu continuar a gemer com a boca desdentada colada ao mármore. Falara com o alegado agressor, que, sem abrir a porta, o ameaçara de morte num tom educado. 
    A vizinha da frente era puta. Habilitada, acrescente-se: competente nos gemidos e escrupulosa nos tempos.
    Havia ainda um traficante de droga - sempre com um cão ridiculamente medroso pela trela - e uns quantos imigrantes ilegais que falavam dialectos complicados.
   Ainda assim, não seria descabido afirmar que aquele era o prédio mais pacífico do planeta: ninguém se falava, as portas estavam sempre fechadas, não havia registo de crimes e nunca se ouviam sirenes do INEM. 
    Bem vistas as coisas, não se podia queixar. Apesar das insónias, era seguro optar pelas escadas.

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